Existe em 1 Timóteo
1.11 um versículo que muitas vezes passa despercebido aos nosos olhos: “o evangelho da glória de Deus bem-aventurado.” Todos
nós conhecemos a expressão “bem-aventurado” porque ela é de fato muito comum na
bíblia e siginifica “feliz”. Ou seja, o versículo é basicamente a respeito do
“evangelho da glória do Deus feliz”. Sim, porque boa parte da glória de Deus é
a sua felicidade. Porque um Deus que não fosse infinitamente alegre não seria
infinitamente glorioso. E sim, este é o evangelho. Esta é uma excelente
notícia: Deus é gloriosamente feliz!
Durante a transfiguração de Jesus, a voz de
Deus exclama dos céus: “Este é o meu Filho amado em
quem me agrado. Ouçam a ele!” Ele declara que ama e tem prazer no seu
Filho ao mesmo tempo que demontra a inimaginável glória do mesmo. A face de
Jesus brilha como o sol e as suas roupas se tornam brancas como a luz! Os
discípulos caem com os seus rostos em terra. O mais chocante, no entanto, não é
que os homens fiquem aterrorizados diante de tanta glória, mas que o próprio
Deus tenha completo prazer no resplendor do Filho. Ele se revela em infinita
luz e o Pai diz: “esta é a minha alegria!”
João quando descreve sua visão no livro de Apocalipse (1.16) diz que “o
seu rosto era como o sol, quando brilha com toda a sua força.” Quando o
sol está nascendo ou se pondo e o seu brilho não é tão forte, nós até
conseguimos apreciar a sua visão olhando-o diretamente. Mas quem pode realmente
olhar para o sol quando está brilhando com toda a sua força por volta do
meio-dia? A resposta é: Deus pode. O resplendor e a glória de Cristo são
primariamente para o prazer e alegria do Pai. “Este é o meu Filho. Eu o amo e
ele é a minha alegria. Vocês devem se prostrar e esconder os seus rostos, mas
eu contemplo o seu resplendor todos os dias.”
No entanto, a mesma expressão é usada por Deus
no dia do batismo de Jesus enquanto o Espírito de Deus desce como uma pomba
sobre ele. A imagem agora é completamente diferente. Não é um sol com brilho
insuportável, mas uma pomba suave, quieta e vulnerável. O tipo de animal que as
pessoas mais pobres ofereciam como sacrifícios no templo. O prazer de Deus no
seu Filho não vem somente do brilho da magestade dele, mas da beleza da sua
mansidão. Deus não consegue conter tanta alegria ao ver a conjunção das
diversas excelências de Cristo, e fala audivelmente a todos os presentes! A
glória de Cristo não é só a sua majestade ou só a sua humildade, mas justamente
a maneira como elas se misturam em perfeita proporção. Segundo Edwards: “A
glória de Cristo é a combinação de atributos que seriam completamente
incompatíveis em uma única pessoa.” O cordeiro e o leão. (Ler Ap 5.5,6)
v.1 – Se há um livro na bíblia que enfatize a
perfeição de Cristo, esta é a carta aos Hebreus. O título da carta poderia ser
“Jesus é melhor”! Em cada capítulo o autor pacientemente explica a
superioridade de Cristo sobre: anjos, Moisés, Arão, Josué, profetas, templo,
etc. Por isso fizemos a leitura no primeiro capítulo, pois ele resume a
essência da carta. “Havendo Deus antigamente falado muitas vezes, e de muitas
maneiras, aos nossos pais através dos profetas, a nós falou-nos nestes últimos
dias pelo Filho” Embora em algum tempo Deus houvesse usado Moisés e Elias para
comunicar sua mensagem ao seu povo, o momento agora era claramente de mudança:
Ele fala única e exclusivamente através do seu Filho. E a revelação por meio
dEle suplanta totalmente todas as formas de revelação anteriores! A voz do céu
não havia dito: “estes são meus servos Elias e Moisés. Ouvi-os!” Mas sim, “este
é o meu Filho (...) ouvi-o!” No original grego existe ainda uma curiosidade. O
artigo precedendo a palavra Filho em Hb 1.1 simplesmente não existe. O
versículo é “a nós nos falou nestes últimos dias Filho.” Jesus não é como os
profetas ou os pais da fé. Deus não usa Jesus como um canal. Ele é a própria
mensagem, a Palavra, o Verbo. Ao Filho o Pai fez herdeiro de tudo, porque muito
antes de tudo existir ele já estava lá (v.2). Porque todas as coisas que o Pai
criou foram através dele! Ele é o mediador ou o agente através do qual Deus
criou o universo em todas as suas dimensões. A sua honra, mais adiante, é
comparada com à suprema honra do construtor de uma casa, quando comparado à
própria casa! “O Filho era a Sabedoria de Deus criando com Deus tudo que não é
Deus”(John Piper, 1991) (Ler João 1.1-3)
v.3 – Jesus é a própria glória de Deus e a
expressa imagem da Sua pessoa. Você com certeza já ouviu a expressão “fulano é
cara cuspida do pai”? O que a maioria das pessoas não sabe é que a expressão
correta é “fulano é a cara esculpida do pai.” O escritor aos Hebreus está
justamente tentando explicar que Jesus é a exata natureza de Deus. Ele emprega
o mesmo termo antigo usado para a cunhagem de moeda, gravar uma imagem. A
glória de Deus estampada em Cristo. Sim, porque ele é a expressão visível da
natureza de um Deus invisível! Ele é o “Filho do seu amor (...) a imagem do Deus invisível, o
primogênito de toda a criação (...) Porque foi do agrado do Pai que toda a
plenitude nele habitasse” (Cl 1.13,15,19)! Quando Deus o Pai e Deus o
Filho comprometem-se a unir a deidade e a humanidade em Jesus, o Pai se
regozija e se alegra sobre este ato. Ele se deleita na prontidão do Filho para
redimir o mundo! Em seguida o escritor destaca o relacionamento do Filho com o
mundo criado: “sustentando todas as coisas pela palavra do seu poder.” Ele
tanto mantém a sua obra criada quanto assume total responsabilidade de levar a
criação em direção ao fim ordenado por Deus. Ele é o providenciador de todas as
coisas.
No entanto, após essa magnífica descrição da majestade
e da glória do Pai em seu Filho, há uma frase que simplesmente parece não se
encaixar: “havendo feito por si mesmo a purificação dos nossos pecados.” Jesus,
que já possuía toda a glória e o amor de seu Pai, entregou a si mesmo para ser
morto. “Não teve por usurpação ser igual a Deus, mas
aniquilou-se a si mesmo, tomando a forma de servo, fazendo-se semelhante aos
homens. E achado na forma de homem, humilhou-se a si mesmo sendo obediente até
a morte, e morte de cruz” (Fp 2.6-8)! Nós adoramos a imagem do Cristo
glorioso e vitorioso, mas ignoramos a necessidade da sua cruz. Porque a cruz é
justamente onde todos os atributos divergentes de Cristo são obrigados a
convergir! A beleza e a vergonha. A glória e a humilhação. A majestade e a
servidão. Condenação e amor. Maldição e graça. Por isso, na transfiguração ele mostra
quem ele realmente era e vemos que de fato, ninguém poderia tirar a sua vida.
Ele mesmo caminhava em direção a Jerusalém. Em direção à dor e ao sofrimento.
O apóstolo Paulo explica que por causa da cruz
todo o mundo está dividido em dois grupos: os que estão perdidos e os que foram
esclarecidos por Deus. “O deus deste século cegou os
entendimentos dos incrédulos, para que lhes não resplandeça a luz do evangelho
da glória de Cristo, que é a imagem de Deus” (2 Co 4.4) A luz da boa
notícia da glória de Cristo ainda não existe dentro deles. Mas “Deus, que disse que das trevas resplandecesse a luz, é quem
resplandeceu em nossos corações, para iluminação do conhecimento da glória de
Deus, na face de Jesus Cristo”(2 Co 4.6). Sabe quando em um desenho
animado na tv alguém tem uma idéia brilhante e uma lâmpada se acende na sua
cabeça? Paulo diz que Deus fez exatamente isso por nós! Da mesma maneira como
na criação do mundo Ele disse “haja luz”, a sua graça iluminou o conhecimento
da glória de Deus no rosto de Seu Filho!
O evangelho ou a boa notícia que recebemos se trata da glória de Deus em
Cristo! Ver Cristo é ver Deus e não ver Cristo é não ver Deus!
Fica fácil concluir que o prazer que Deus possui
em seu Filho é uma alegria nEle mesmo. De início, parece ser vaidade da parte
de Deus. Seria vaidade se nós encontrásemos a alegria mais profunda das nossas
almas ao olharmos o espelho (que é exatamente o que Paulo descreve como atitude
de Deus)! Mas nós não devemos imitar a Deus? Sim, em algumas maneiras, mas
certamente não em todas. Esse foi justamente o engano maligno de satanás no
Eden. Ele tentou Adão e Eva a serem como Deus em uma maneira que Deus nunca
desejou que eles fossem: auto-confiantes. Só Deus pode ser auto-confiante.
Qualquer outra criatura deve ser “teo-confiante”! Nós fomos criados para algo
infinitamente mais glorioso do que auto-contemplação. Fomos criados para a
contemplação dEle e satisfação nEle! Qualquer coisa menos que isso seria
idolatria para com Ele e disapontamento para nós. E o mesmo é válido para Deus.
Ele deve amar e se deleitar na sua própria beleza e perfeição acima de tudo,
porque se não fosse assim, Ele seria injusto e um idólatra! Por isso agora
podemos ler a oração do salmista com mais entendimento: “Por amor do teu nome Senhor, perdoa a minha iniquidade, pois é grande”
(Sl 25.11). Jesus agora propiciou os nossos pecados e vindicou a honra
de Seu Pai, assim os nossos pecados são perdoados por causa do amor de Deus a ele!
O fato do prazer de Deus no seu Filho ser o prazer dele nEle mesmo não é
vaidade. É o evangelho.
Não existe no mundo um relacionamento como o de
Deus para com o seu Filho. Não existe amor semelhante a este. Jesus chega a
afirmar de si mesmo: “Por isto o Pai me ama, porque dou
a minha vida para tornar a tomá-la. Ninguém a tira de mim. Pai, aqueles que me
deste quero que, onde eu estiver, também eles estejam comigo, para que vejam a
minha glória que me deste: porque tu me hás amado antes da criação do mundo!”
(Jo 10.17,18; 17.24) Quando dizemos que Deus ama o Seu Filho, não estamo
falando de um amor que é sacrificial, misericordioso ou custoso. Estamos
falando de um amor de deleite e prazer! Deus não está se abaixando para se
compadecer de um desmerecedor quando ama o Seu Filho. Isto é como Ele nos ama.
Não ao seu Filho. Por isso, “[Jesus] assentou-se à destra da majestade nas
alturas. Feito tanto mais excelente do que os anjos, quanto herdou mais
excelente nome do que eles.” Deus o exaltou soberanamente, para que ao nome de
Jesus se dobre todo joelho!
Haverá um dia em que toda a alegria e prazer
que o Pai tem no Seu Filho estará também em nós. Teremos a capacidade de se
deleitar no Filho do mesmo modo que o Pai. Olharemos o Sol em sua completa
força e não seremos consumidos. E este dia será na verdade apenas o primeiro de
uma eternidade da qual nunca nos cansaremos, porque a sua alegria será a nossa
força. Mas enquanto estamos aqui, aguardando sua vinda, não podemos cometer o
erro de trocar a glória de Cristo por aquilo que é de nenhum proveito. “Porque o
meu povo fez duas maldades: a mim deixaram, o manancial de águas vivas, e
cavaram cisternas para si mesmos. Cisternas quebradas e que não retêm água
alguma.” (Jeremias 2.12,13) Só existe uma fonte de alegria infinita: a
abundante satisfação de Deus em Deus.
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