“Quando passares pelas
águas estarei contigo, e quando pelos rios, eles não te submergirão” (Is 43.2)“E ele me tirou pelo
caminho da porta (...) e me fez passar pelas águas (...) e era um ribeiro que
eu não podia passar, águas que deviam se passar a nado.” (Ez 47.2,4,5)
Resolvi escrever hoje
sobre um tópico que eu pouquíssimo entendo: maturidade. Então já começo este
texto lhe avisando da ironia. Após meditar um pouco sobre os versículos acima,
cheguei à conclusão de que um crente maduro é aquele que vive no limite da
Graça de Deus. A idéia me chocou um pouco, porque todos os meus sentidos diriam
que o homem maduro é o que mais possui a Graça de Deus (e de certa forma, é).
No entanto, a prática e a leitura da Palavra dEle nos mostram que é justamente
o contrário. Os crentes mais infantis são os que mais recebem a Graça. De fato,
o instrumento ou o meio que Deus utiliza para nos amadurecer é nos privar de
pequenas porções (e aos poucos) da sua Graça. No limite da Graça nós dependemos
de Deus mais do que nunca.
A profecia de Isaías
não deixa sombra de dúvida de que em algum momento, inevitavelmente, o crente
deverá passar pelas águas da vida. Ele não diz “se passares”, mas sim “quando
passares”. Deus promete estar conosco. Pelo contexto, me parece bastante
explícita a relação entre águas e adversidades. Claro que nós podemos aplicar
isto às lutas materiais que enfrentamos, mas não se esqueça que as batalhas
espirituais também existem. Bem verdade é que o mundo material e espiritual por
vezes se fundem e não sabemos discernir qual dos dois de fato é o nosso
adversário. Ainda assim, a bíblia nos diz que “não temos de lutar contra a
carne e o sangue.” (Ef 6.12) As águas que parecem mais facilmente nos afogar
são aquelas que estão ocultas aos nossos olhos. O pecado nos rodeia bem de
perto e o nosso próprio eu parece nos odiar pelo simples fato de sermos crente.
O que Isaías deixa
bem nítido é que nenhum crente consegue evitar essa enxurrada que vem para o
derrubar. Querendo ou não, nós passamos por estas águas tão tenebrosas. E o
principal motivo para isso é que todas essas batalhas são por conta da nossa
natureza caída, que não nos larga 24h. O único consolo que ele nos dá,
entretanto, é que Deus estará conosco e essas águas não têm o poder de nos
submergir. Lendo somente esse versículo, tudo parece ser tão fácil que nós
poderíamos acabar a conversa aqui. Mas como é que isso acontece? Como é que
Deus não nos deixa submergir? Por que Ele não nos impede logo de passar por
essas águas? Com certeza, se alguém pudesse ser privado de passar pelas águas
essa pessoa poderia se considerar como tendo recebido a maior quantidade de
Graça de Deus. Afinal, que favor seria maior do que nunca ter de batalhar
consigo mesmo, nem com as forças malignas que nos cercam?
No entanto, se
pararmos pra pensar, todos os crentes passam por uma fase assim! Normalmente,
logo no início da nossa fé em Cristo, Deus parece derramar uma Graça sobre nós
que não tem tamanho! Qualquer que seja essa tal de água que Isaías está falando,
ela deve estar a kilômetros de distância. Obviamente, a nossa força é tão
grande, que não faz nem sentido pararmos pra pensar nas águas que os outros
estão enfrentando. Muito menos tentar entender as fraquezas alheias quando nós
temos mais Graça de Deus do que eles. O novo convertido pensa que é melhor
crente que todo mundo. E ele é. O que ele não sabe é que não é a pessoa que
pensa que é! Ele está dopado da Graça de Deus, mas continua doente. Ele precisa
experimentar a profecisa de Isaías.
Mais de cem anos após
Isaías ter proferido essas palavras, este dia havia chegado na vida do profeta
Ezequiel através de uma visão. A bíblia diz que um anjo o “tirou pelo caminho
da porta” (v.2) e o “fez passar pelas águas” (v.4). Para minha mais profunda
surpresa, vemos que o próprio Deus nos conduz às águas! (não, o anjo não era
Deus, mas seu representante oficial naquela situação) Este versículo é
fundamental para entendermos a diferença entre o ímpio e o servo de Deus que
está em fase de amadurecimento. O crescimento Cristão vem necessariamente de
Deus, quando Ele nos faz passar por águas que não conhecíamos. Sabemos que a
bíblia diz que “Deus a ninguém tenta, mas cada uma é tentado quando atraído e
engodado pela sua própria concupiscência.” (Tg 1.13,14) Sendo assim, Deus na
verdade nos permite conhecer a nossa própria natureza aos poucos, deixando as
águas nos tocarem. Mas ao passar por este processo, Ele “nos tira pelo caminho
da porta”. Jesus se identificou pessoalmente como “o caminho” (Jo 14.6) e a
“porta das ovelhas” (Jo 10.7) e essa é a diferença do crente para o ímpio. O
crente é conduzido às águas do auto-conhecimento através de Jesus. Apesar dele
ter achado inicialmente que Deus o livraria desse mar nunca o deixando
conhecer, ele descobre que Deus na verdade o chama para essas águas. O ímpio,
que não tem nenhum nem um pouco de medo das águas, se afoga com prazer neste
rio tenebroso que são as suas vontades. O crente é convidado a passar por lá
seguindo o caminho da porta.
Um tanto inseguro,
Ezequiel vai com o anjo que constantemente faz medidas. Deus conduz os seus
filhos em segurança. Nunca permitindo batalhas e tentações que sejam além de
suas capacidades. Porque enquanto estamos nessa fase, a Graça de Deus ainda
está muito acima das nossas necessidades. Ela garante que os nossos pés ainda
estão no chão e nós confiamos na nossa capacidade de servir a Deus sem a menor
hipótese de se afogar. Não existe medo ainda. Nós começamos a enxergar melhor
quem somos de verdade, mas isso não chega a ser tão espantoso, porque afinal a
Graça de Deus está nos mantendo firmes o suficiente ao chão. A graça de Deus o
impede de pecar, mas também o faz com que se sinta seguro. Seguro demais ainda.
Ezequiel é convidado a caminhar por águas mais profundas. A consciência da sua
natureza carnal e pecaminosa aumenta, ou seja, a possibilidade de se afogar
aumenta. A firmeza que ele tinha em si mesmo começa a ser abalada. Cada vez
mais fica difícil para Ezequiel continuar de pé.
Nesse momento, a
reação mais comum entre nós é acharmos que alguma coisa está errada conosco.
Deus não parece ser o mesmo e, obviamente, a culpa deve estar em nós. Nós não
sabemos servir a Deus como sentíamos no começo da caminhada. Mas o que acontece
é que as doses da Graça de Deus estão diminuindo. É ele quem está nos chamando
para águas mais profundas e está tirando a nossa firmeza.
A bíblia não fala que
Ezequiel conseguiu ir mais fundo. No entanto, ele deixa um comentário seu a
respeito disso: “eu não podia passar.” (v.5) Ele havia chegado a um ponto em
que sabia que seus pés não tocariam mais o chão e com certeza ele iria se
afogar. Ele finalmente entendeu que não era mais forte que as águas. É como um
“ex-viciado” que chega ao seu limite e já não é aquele crente dopado da Graça
de Deus e diz: “entendi, a minha natureza é mais forte do que eu.” A sensação
dele é de tanta perdição que ele já pensa ser ímpio de novo.
Nesse momento ele se
lembra da profecia de Isaías e pergunta: “mas Deus não prometeu que as águas
não me afogariam? Por que eu não sinto mais a sua Graça e estou prestes a
cair?” As suas forças se acabam e ele entende que não pode mais passar com a
firmeza que tinha antes. De fato, não existe a mínima possibilidade dela passar
sem se afogar. Mas, sim, a promessa continua de pé.
Uma das piores fases
da nossa vida Cristã é quando o que a gente lê na bíblia não condiz com o que a
gente está sentindo no coração. Quando lemos que Deus não nos deixará afogar,
mas nós já nos sentimos afogados. Mas isso é perfeitamente normal. O apóstolo
Paulo, logo após ensinar uma das mais belas passagens sobre perfeição Cristã
alertando os felipenses a “prosseguirem para o alvo”, adicionou um comentário
sobre isso. “Todos nós que somos maduros devemos sentir assim, mas se você
sente de alguma outra maneira, Deus te esclarecerá” (Fp 3.15) Ele sabia que
mesmo os crentes maduros às vezes não sentem o que a bíblia diz ser verdade. O
importante é que o nossos sentimentos não têm o poder de mudar a verdade que a
bíblia diz. O que precisamos é que Deus nos esclareça. E em algum ponto Ele fez
isso por Ezequiel, quando o profeta finalmente entendeu que eram “águas que
deviam se passar a nado” (v.5)
Deus estava lhe
dizendo: “Ezequiel, seus pés não vão te levar a lugar nenhum!” Quando se trata
de vencermos a nós mesmos e às águas espirituais que vêm para nos afogar, nós
não temos a mínima capacidade de conseguir através dos nossa própria força. E
quanto mais Deus vai nos privando da sua Graça, mas isso vai ficando nítido nas
nossas mentes. Chega um ponto em que nossa dependência de Deus nos choca. Nós
estamos amadurecendo. Entretanto, se quisermos continuar a crescer e passar
para a próxima fase, teremos de fazer algo bastante difícil: tirar os nossos
pés do chão e aprender a nadar.
Eu me lembro de
quando estava aprendendo a nadar quando era criança. Sempre acabava engolindo
um pouco de água e me engasgando. É claro que isso vai acontecer para o crente
que está amdurecendo. Por vezes, ele vai se embaraçar e acabar fazendo errado.
Caindo nos próprios erros. Também me lembro do quanto as minhas aulas de
natação no ensino médio eram cansativas. O melhor momento era quando podíamos
colocar os pés no chão da piscina e descansar. Agora eu entendo que nadar é um
ato de fé. Eu nunca podia parar de nadar quando estava no meio da piscina,
porque os meus pés não alcançavam o chão. Eu tinha que continuar, acreditando
que iria chegar do outro lado sem me afogar. Eu tinha que continuar,
acreditando que teria forças pra chegar. Eu não tinha mais a confiança e a
firmeza que os meus pés me davam. Eu devia simplesmente crer.
No momento em que o
crente começa a nadar, ele percebe que para não se afogar mais nas águas ele
vai ter que se esforçar. Aquilo que no começo da sua caminhada vinha através do
excesso de Graça de Deus que deixavam seus pezinhos bem firmes no chão, agora
só vem através de esforço. Você pode então me dizer: “mas assim ele continua
imaturo! Se a sobrevivência dele depende da sua capacidade de nadar, ele
continua uma criança longe de Deus!” Mas não é bem assim. O que garante a
sobrevivência dele não é a sua capacidade de se manter, mas justamente o
contrário. Depende dele acreditar que Deus lhe dará forças para chegar do outro
lado e da sua consciência de que os seus pés jamais seriam capazes disso. Porque
o que antes eram tão certo e visível ao ponto de não exigir fé, agora é
totalmente dependente da ajuda de Deus. Ele se esforça, porque acredita. O
justo passa a viver da fé. A sua força agora vem totalmente de Deus e ele não
pode descansar enquanto não chegar.
A partir de agora ele
vive somente com o mínimo de Graça necessária para que não se afogue. As águas
que tinham por objetivo destruí-lo, agora se tornaram na própria fonte da sua
cura e salvação. Enquanto Pedro não afundou e clamou por socorro do nosso mestre
e Senhor Jesus Cristo, ele não pode de fato ser salvo.
O crente maduro
recebe a menor quantidade de Graça possível, e por isso vive dia e noite
consciente de que pode cair a qualquer hora. Basta que ele volte a confiar em
si mesmo e perca o pouco da Graça que tem. Por vezes ele ficará tão revoltado
com Deus pela “sua falta de cuidado” e por lhe faltarem tantas coisas. Mas Deus
com toda a sua paciência repsonderá: “Eu tenho te dado exatamente o necessário.
A minha Graça te basta.” Para o amadurecido, a Graça de Deus será o suficiente.
Deus é suficiente, Ele não o deixará se afogar.
O crente maduro
viverá no limite da Graça de Deus. Viverá no seu limite. E ele será salvo.
É mediante a Fé que vencemos as nossas fraquezas. Eu louvo a Deus por esse texto tão claro que nos faz buscar a face do Senhor diante de nossas dificuldades. Amém!
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